Entrevista ao Dr. Hugo Rodrigues
Temos o prazer de divulgar a entrevista que realizamos no passado mês de outubro ao Dr. Hugo Rodrigues, médico pediatra.
1- Como surgiu a vontade/vocação em ser Médico?
Na fase da adolescência, gostava de trabalhar num laboratório e fazer experiências. Imaginava que poderia vir a ser químico, estudar química que era uma área que gostava muito. A partir mais ou menos dos meus 16 anos, comecei a perceber que o laboratório não seria o local certo para mim. Eu gosto muito de comunicar, de estar com as pessoas e falar com elas, de as tentar ajudar. E portanto foi um processo natural, foi aos bocadinhos crescendo esta vontade de ajudar e de interagir com os outros. E acho que foi um processo e uma escolha natural, esta escolha de ser médico e tenho sorte porque acho que descobri mesmo a minha vocação.
2- Porquê que escolheu a especialidade Médica de Pediatria?
Mais uma vez não foi a escolha que de início achei que iria fazer. Quando entrei para medicina achava muita piada ao coração, à cardiologia, e era a área que eu achava que iria seguir. Mas durante o curso fui passando pelas diferentes áreas, fui passando pela cardiologia e por outras e passei pela pediatria e apaixonei-me. Achei muito interessante lidar com os bebés, o lidar com as crianças, o lidar com os adolescentes, achei um desafio enorme tentar perceber os problemas que eles nos colocavam principalmente os bebés, que enquanto não falam, temos de tentar descodificar um pouco aquilo que nos dizem. E portanto foi uma paixão que foi crescendo. E a partir do meu 5.º ano, mais ou menos, eu já sabia que seria essa a minha opção se tivesse essa possibilidade e felizmente tive.
3- E com que faixa etária gosta mais de trabalhar?
É uma pergunta difícil. Eu acho que a faixa etária que eu gosto mais é a dos pré-escolares talvez, dos 3 aos 6-7 anos. Acho que é uma idade em que eles interagem muito connosco, colocam-nos muitas questões e gostam de saber aquilo que nós fazemos. Embora posso vos dizer que também gosto muito da área dos adolescentes. Eu tenho uma consulta no hospital só dedicada aos adolescentes, em que só vejo adolescentes porque têm um tipo de problemáticas e de questões diferentes. Porque é uma área que eu também gosto muito. Portanto eu gosto de todas, gosto de todas as áreas, de todas as idades.
4- Como iniciou a sua carreira como Médico Pediatra?
Não sei se se vocês sabem como é que nós escolhemos a especialidade. Nós no fim do nosso curso fazemos um exame, um exame tão difícil que geralmente estudamos durante um ano para esse exame. E é a nota desse exame que nos vai permitir escolher a especialidade que queremos. As pessoas que têm as notas mais altas escolhem primeiro; as notas mais baixas vão escolhendo a seguir. Por isso é que eu disse há bocadinho que a minha escolha era a pediatria e que tive a sorte de escolher aquilo que gostava porque nem todos os meus colegas tiveram essa sorte. Outra questão que se colocava quando eu escolhi, era se devia fazer a especialidade aqui em Viana, porque sou daqui, ou se deveria ir para um hospital no Porto, porque têm casos diferentes. Apesar de serem hospitais maiores, a minha escolha foi ficar aqui em Viana. Primeiro, porque sou de Viana e acho que, se possível, devemos ajudar a desenvolver a os nossos locais de nascimento e de residência. E depois porque achei que o hospital de Viana era um hospital que me iria permitir conhecer muitas áreas diferentes. Ia conseguir ver de tudo, ia conseguir ganhar experiência em todas as áreas. E achei que isso seria bom para a minha formação. Por isso é que escolhi e hoje voltaria a escolher igual.
5– Temos conhecimento de que já publicou pelo menos 2 livros. Como surgiu a vontade de escrever?
É engraçado, nunca foi algo que eu tivesse imaginado desde o início. Como vocês sabem eu tenho um blog. Foi um blog que, quando acabei a minha especialidade, decidi criar. É um blog de pediatria destinado a todos os pais para tirar algumas dúvidas que eles têm no dia-a-dia. Há 3 anos atrás recebi um e-mail de uma editora, que tinha encontrado o meu blog. Acharam piada à forma como estava escrito e foi a editora que me convidou a escrever o livro. Portanto, não fui eu que decidi propriamente. E isto assim resumido, são 2 sócias na editora, em que uma delas tinha um pequeno e foi à internet tirar dúvidas, encontrou o blog e foi surgindo tudo a partir daí. Quando me lançaram o desafio, eu disse logo que sim. Obviamente que achei logo muito interessante e escrevi o meu primeiro livro nesse contexto. O segundo já foi diferente, já tinham passado 3 anos desde que tinha escrito o primeiro livro e, portanto, surgiu a vontade de escrever um novo. Em conjunto com a editora, escrevi o segundo livro e acho que não vou ficar por aqui.
6 – Temos também conhecimento que exerce funções de docência. O que o levou a essa carreira?
A opção de dar aulas foi sempre uma opção minha, foi sempre um objetivo meu pois gosto muito de dar formação e ajudar as outras pessoas a terem mais conhecimentos. Mal acabei o curso, fui tentando perceber de que forma poderia dar aulas. Posso dizer-vos que no primeiro ano, depois de terminar o curso, dei aulas numa escola profissional e poucas sabem disso. Dei aulas ao 11.º ano numa escola profissional em Melgaço, dentro da minha área, da fisiologia, isto é sobre o funcionamento do corpo humano. Adorei a experiência, que foi espetacular, porém tive de deixar porque Melgaço fica muito longe e ao mesmo tempo estava a fazer a especialidade no Porto. Fui procurar na universidade alguns locais que podiam ser interessantes para dar aulas. Felizmente comecei logo a dar aulas na faculdade de Medicina Dentária, dava aulas aos futuros dentistas. Sempre na área da fisiologia que era aquilo que eu gostava. A fisiologia é a ciência que explica como funciona o corpo humano. Eu acho que devemos saber como funcionamos quando estamos bem para depois percebermos como funcionamos quando estamos doentes. E a seguir à faculdade de Medicina Dentária tive o contacto de outra escola, a Escola Superior de Tecnologias de Saúde do Instituto Politécnico do Porto, para dar aulas de fisiologia também direcionadas à pediatria. Portanto, foi juntar as duas áreas que eu gostava muito. Passei a dar aulas lá e deixei as aulas na faculdade de Medicina Dentária. Atualmente, dou algumas aulas na Faculdade de Medicina da Universidade do Minho, em Braga, que tem um protocolo com o hospital de Viana.
7 - Gosta do trabalho que faz?
Essa pergunta é muito fácil. Eu adoro o trabalho que faço. Como vos disse há bocadinho acho que tive a sorte de descobrir a minha vocação, tive a sorte de acertar na especialidade. Quando escolhi tinha uma ideia e podia até não ser exatamente aquilo que eu tinha imaginado. Tive sorte de acertar na especialidade. Voltaria a escolher tudo igual o que escolhi no meu percurso académico. Eu até costumo dizer meio a brincar e meio a sério que eu tenho a sorte de fazer aquilo que gosto e ainda me pagam por cima. É mesmo uma sorte enorme! Adoro aquilo que faço!
8- Com tantas atividades, como é o seu dia-a-dia?
É um bocadinho preenchido. Como vocês podem imaginar… Eu trabalho no hospital, eu dou aulas, eu escrevo o meu blogue, eu vou à televisão, eu tenho um consultório e acima de tudo eu sou pai. Essa é a minha principal ocupação, eu tenho 2 filhos e tudo aquilo que eu faço, faço tentando colidir o menos possível com o tempo para eles. Porque acho fundamental nós termos tempo para os nossos filhos. E portanto, acho que tenho de ser organizado. Tento ser organizado, metódico e produtivo ou seja, todos os bocadinhos de tempo que tenho, aproveito-os para fazer alguma coisa. Precisamente porque o meu principal objetivo é que dentro destas atividades todas, continuar a ter muito tempo para os meus filhos. E poder ir buscá-los a escola ou ir jogar a bola com eles, poder acompanhá-los nas suas atividades, no seu dia-a-dia e poder vê-los crescer. Nada do resto faria sentido se não tivesse tempo para a família.
9- Qual foi, até hoje, a situação clínica mais difícil com a qual teve de lidar?
Eu tive algumas experiências menos boas. Mas uma delas, a que me marcou muito, foi quando fiz o estágio de cuidados intensivos pediátricos. Fiz o estágio numa cidade em Espanha, em Valência. E os cuidados intensivos são unidades onde só estão crianças gravemente doentes. Crianças que estão praticamente a morrer. E infelizmente nesses 3 meses vi algumas crianças a morrer, quadros muito graves. Mas a que me marcou mais, foi uma menina de 13 anos que tinha uma doença crónica, tinha Lupus, que é uma doença inflamatória com problemas em vários órgãos, nos pulmões, nos rins, no coração, nos músculos e nas articulações. Fez uma infecção nos pulmões de tal forma grave que os pulmões deixaram de respirar. Estava na unidade para se ligar a uma máquina que respirava por ela. A nossa esperança é que tratando a infecção, ela deixasse a máquina e respirasse por ela. Mas não conseguiu! Nunca mais conseguiu respirar por ela. Ao fim de 2 ou 3 meses de internamento tivemos de falar com os pais e explicar que aquela menina, nunca mais iria respirar por ela. E explicado isto aos pais tivemos de propor desligar a máquina que respirava por ela e deixá-la morrer… Como vocês devem imaginar é muito difícil de gerir do ponto de vista emocional para nós, para aqueles pais. Estes pais, que eram emigrantes, tinham vindo da Colômbia, com a sua única filha. Eu nunca mais me esquecerei das palavras da mãe: “Nós viemos por ela, nós não temos mais ninguém. Se ficarmos sem ela, a nossa vida deixa de fazer sentido. Mas se vocês acham que isso acaba com o sofrimento dela, então nós confiamos.” Portanto, foi uma experiência dramática decidir isto, falar com os pais e depois desligar a máquina, ver a menina a morrer tão lentamente e não fazer nada porque ela não tinha hipótese de sobreviver. Felizmente estes casos são raros, o nosso dia-a-dia é preenchido de sorrisos e nós conseguimos tratar os meninos e pô-los bons, mas nem sempre é assim e temos de estar preparados para isso.
10 - Uma vez que contacta com tantos utentes, já acompanhou ou acompanha alguma criança ou jovem com Paralisia Cerebral?
Sim, tenho alguns meninos com Paralisia Cerebral. Felizmente, hoje em dia, a Paralisia Cerebral é uma situação que vamos conseguindo, fruto das várias abordagens, das diferentes terapias e das diferentes áreas de intervenção, conseguimos ir optimizando, dentro do possível, a função de cada pessoa. Como vocês sabem, na Paralisia Cerebral dificilmente temos 2 casos exactamente iguais. E esta é uma dificuldade. Nós não temos uma regra mágica como saber que para uma amigdalite se dá um antibiótico, na Paralisia Cerebral não é exactamente assim. O grande desafio é nós olharmos para a crianças, que depois vai ser um adolescente e depois vai ser um adulto e perceber quais os desafios que eles se colocam e que nos colocam a nós, e tentar optimizar as suas capacidades. Isto para vos dizer que sim, sigo alguns meninos, não são muitos, mas felizmente todos são casos de sucessos, que se vão superando e melhorando aos bocadinhos, dia após dia. Os objectivos têm de ser adaptados e vão melhorando aos bocadinhos, no dia-a-dia.
11- Já ouviu falar da nossa associação, a APCVC? Sabe o trabalho que aqui se faz?
Sim, já ouvi falar! Sei parte do trabalho que aqui se faz. Eu trabalho com a Dra. Conceição Correia que é a pediatra aqui da associação. Ela fala muitas vezes da associação e fala sempre com um carinho enorme. No nosso dia-a-dia vai falando e vai contando o que faz e, portanto, vou acompanhando um bocadinho das vossas atividades. Eu confesso que não conhecia o vosso grupo, só o conheci agora. Mas algumas atividades vou conhecendo, como conheço alguns técnicos que trabalham aqui. Vou acompanhando orgulhosamente o trabalho que aqui se faz.